Foi quando tomei coragem e encurralei minha vida. Queria ouvir certas verdades.
Contestei algumas escolhas feitas ao longo dos anos. Em vão. Nossas escolhas não são erradas. A falha surge na consequência. Qualquer cálculo que fizermos acerca da vida, por mais insano que pareça, não significa tender ao erro. A nossa vida inteira é feita de cálculos. Cabe à vida dar o caminho que melhor nos encaixarmos. Pro certo ou pro errado.
Passei a experimentar a placidez da vida. Obriguei-me a evoluir aos meus tempos de criança, pois a verdadeira malícia é aquela em que preservamos nossa ingenuidade. É o nosso grande trunfo. É aproximação com o sexto sentido. Só enxergamos sem vícios quando nos tornamos ingênuos.
Já me preocupei com futilidades e fiz pouco caso de importâncias. Afoguei certas verdades. Esforcei-me pra resgatar meias-mentiras. E me sustentavam. Era fantoches dos meus julgamentos. Olhei ao longe e procurei o que ainda era embaçado, incerto, dúbio, e tratei com desleixo as evidências, o que era escancarado, a centímetros de mim. Abri mão, mas não abri o coração.
Sou meu próprio aniquilador. Atravesso meu corpo. Perfuro minhas saudades. Dinamito verdades incontestáveis. Sustento-me com pouco. Passo fome. Sou Somaliano da minha própria vida. Peço esmolas a mim mesmo. Faço-me de bobo. Finjo de morto. Dou ao luxo de não sentir meu cheiro e retrucar com o paladar de ontem. O gosto em desuso.
Vida não pode ser filme. Não deve ter roteiro, script, nem final feliz.
Encarei o paradoxo de receber ordens em minha própria vida. Raramente reclamava. Dava-me por satisfeito e decorava as falas. Havendo recompensa, a história pouco me importava. Necessitei dar um basta.
Foi naquele dia. O dia que encurralei a vida e exigi verdades. O dia que esbravejei e ordenei mudanças. Disse que da minha vida eu comando, e requeri plenos poderes. Certo de mim, me impus. Despejei bravatas em minha direção como quem sente culpa. E sentir culpa é dever favor. Descobri estar em débito comigo mesmo, e quem deve, paga. Nem que seja com a consciência.
Rir da vida não é remédio. É medo
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